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Chłopi – os camponeses, de Reymont

Este mês foi divulgada a edição 29 de Março/Abril 2023 do BoletimTak, e um dos convidados a fazer parte desta edição, é nosso associado Sr. Wilson Rodycz, confira a baixo sua resenha de Chłopi – os camponeses, de Reymont.


Baixe a edição completa da edição 29 do BoletimTak

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RESENHA Pag 8 a 11


Chłopi é uma antologia poética da vida camponesa, como Pan Tadeusz é uma enciclopédia da vida da nobreza; é a visão da vida aldeã de antigamente, da qual não existe mais nenhum traço (Trypucko).

Em 1924, dois grandes escritores poloneses disputaram a preferência da Academia Sueca para o Prêmio Nobel de Literatura, Reymont e Stefan Żeromski. O pêndulo se inclinou para o primeiro, sob a justificativa de que “Os Camponeses” se caracterizava como uma grande epopeia nacional em que a harmonia sinfônica de suas proporções e a riqueza de seus matizes constituem um hino à vida de um povo que se afana1 da sua terra ancestral. Gigantes de outras nacionalidades, como George B. Shaw, Maxim Gorki e Thomas Mann, foram preteridos. Bastante doente, Reymont não pôde viajar a Estocolmo para receber o Prêmio e faleceu no ano seguinte.

Władysław Stanisław Reymont nasceu em 1867, próximo de Łódź, passou por dificuldades materiais, não concluiu os estudos, viajou pelo interior como ator de teatro, trabalhou como funcionário de uma companhia ferroviária, ligou-se ao espiritismo, foi noviço paulino, o que lhe proporcionou conhecer o país e se inspirar para descrever um vasto painel da vida nos campos. Reymont pertenceu ao movimento “Jovem Polônia”, que propunha libertar a literatura das condicionantes das escolas anteriores, advogando a necessidade de uma arte livre, sem teses; abarcava várias correntes, entre as quais o Naturalismo. Reymont escrevia como via e ouvia; copiava a natureza; conhecia a fundo a vida de uma aldeia e este tema constitui a parte essencial de sua criação literária. Sem embargo, a sua obra mais conhecida é Ziemia Obiecana (A Terra Prometida), de 1899, em que traça um panorama da Revolução Industrial na cidade de Łódź, adaptada para o cinema por Andrzej Wajda em 1975. Em língua portuguesa, dispõe-se apenas do texto de A Lei do Cnute e Contos, saídos em 1963 pela Editora Delta. Para esta resenha, utilizou-se uma tradução em espanhol, intitulada Los Campesinos, publicada em Madri, em 1960, pela Editora Aguilar. Este romance também foi publicado em alemão, sueco, inglês e francês.

O tema da vida aldeã não era inédito na literatura. Outros autores já tinham enveredado por essa senda. Entre eles, Émile Zola com a colossal obra “A Terra”, de 1887, romanceando a vida dos camponeses franceses, avaliada pela crítica especializada como de excelência. Reymont foi chamado de “O Hesíodo Eslavo”, que no poema “Os Trabalhos e os Dias” também põe os olhos na vida das pessoas simples, descrevendo os costumes do povo rural. “Os Camponeses” foi publicado entre 1904 e 1909 e consta de quatro volumes, correspondendo, cada um, a uma estação do ano. Neles são descritos a paisagem, acontecimentos e ações da fictícia aldeia de Lipce. O foco inicial é o triângulo amoroso Maciej Boryna, seu filho Antek e a bela Jagna, mas não é só isso, também estão em primeiro plano o tema do apego à terra, aquela que dá e toma

a vida valorizando o enredo mais que personagens individuais: dedica-se a pôr em cena toda a coletividade, mostrando a vida de muitos personagens.

Maciej Boryna é um gospodarz, um proprietário de 30 morgas de terra, situando-se abaixo apenas do nobre de Podlesie. Na faixa dos 50 anos, viúvo, casa-se com Jagna, uma jovem de 19, que é cobiçada pelos homens da aldeia, e que corresponde aos desejos de Antek. Personagens coadjuvantes enriquecem a trama: no dia a dia, transitam variados tipos humanos, alguns com histórias marcantes, como Hanka, a esposa de Antek, antagonista da jovem: é a personificação da virtude e do senso do dever; Mateusz, jovem, valente e solteiro, rival e amigo de Antek; o agregado Kuba; o Cura; Piotr, o alcaide; a parteira Dominokowska, mãe de Jagna; e, num plano menos relevante, mas igualmente vivo, o dissimulado Michał, ferreiro, genro de Boryna; Roch, um beato e conselheiro; Jambrozy, sacristão, sobrevivente de guerra; a fofoqueira Jagutyńska; o moleiro; o organista; Jankiel é o personagem judeu que encarna todo o mal do povoado: taberneiro, vende aguardente aos cândidos cristãos. Se por um lado há solidariedade entre os proprietários, que se confortam e se auxiliam nas dificuldades, há indiferença para com os indivíduos pobres, sejam eles idosos (Agata), as solteiras grávidas (Magda), os arrendatários, os diaristas. O castelão de Podlesie aparece na trama para ocupar o seu lugar privilegiado durante as missas e para derrubar um eito de árvores do bosque comunal, estopim de uma luta em que os aldeães se levantam para defender o seu direito consuetudinário de recolher lenha para os fogões. Nessa refrega, Boryna é ferido de morte. Posteriormente, ele vende parte da área para imigrantes alemães, com o que o autor ficcionaliza o episódio histórico da “germanização dos campos”, gerando novos conflitos.

A epopeia reymontiana ajuda aos descendentes de emigrados a reconstituir o universo em que eles viviam, as dificuldades por que passavam e o que os fez deixar a sua pátria. Põe em relevo as classes sociais, aparecendo o atavismo dos parobki, os sem-terra, mostrados vivendo miseravelmente, habitando choupanas cobertas de palhas e de chão batido, no limite da fome e do frio e sem nenhuma chance de mobilidade, submetidos a um determinismo histórico introjetado por uma ideologia secular de dominação – o regime de servidão da gleba havia terminado havia pouco –, para o que contribuiu uma doutrinação religiosa inescapável. O autor mostra essa questão com fortes tinturas, como no seguinte diálogo travado entre o agregado Kuba e o seu amo Boryna, a propósito de salários; para dissuadi-lo, este argumenta:

- ... Vamos, Kuba, bebe em sinal de acordo e ouve o que vou te dizer, e tu mesmo compreenderás que um serviçal e um camponês proprietário de terras não são o mesmo... Cada qual tem seu lugar, e o próprio Senhor Jesus Cristo te reservou esse; então, queda-te nele e não saias, não queiras ser um dos primeiros e não te eleves acima dos demais, porque é um grande pecado. O próprio senhor cura te repetirá isso, que isto deve ser assim para que haja ordem no mundo. Compreendes, Kuba? (p. 135).

O autor se utiliza de um narrador onisciente, que tudo sabe sobre os personagens, até os seus pensamentos mais íntimos, o que é um facilitador para o leitor, embora deixe pouco espaço para o mistério e a descoberta. Há exaustivas descrições da natureza, com o que ele visa ressaltar as sensações do clima e a passagem do tempo, gancho para todo o trabalho ficcional: o frio, a chuva, o vento, a neve, o sol, o calor; o meio ambiente, as plantações, as colheitas, as flores, as florestas, o rio, o açude, o nascimento, o batismo, o casamento, a morte, etc. Exemplo:

O tempo estava o pior que pode haver. O vento agitava os campos, sacudia as árvores, rodopiava pela aldeia e a cada momento levantava redemoinhos de neve, os fazia girar assobiando e os jogava pelo mundo como panos virados no avesso cheios de fios brancos que espetavam como alfinetes; e tudo parecia mergulhado em um caos sombrio e sibilante. (p. 507)

Para contrabalançar os longos parágrafos descritivos, o autor cria diálogos e ações, distribuindo a tensão por todos os volumes, prendendo e agradando o leitor mais exigente. O enredo abarca um ano, caracterizando um círculo fechado, sucedendo-se os ciclos agrários, litúrgicos e as fases da vida. No outono, o autor destaca a colheita do trigo, da batata e do repolho; no inverno, com a natureza congelada, as personagens fiam – a roca é companheira inseparável das mulheres; na primavera, o retorno das aves migratórias, o nascimento de bezerros, o plantio da batata e do repolho; no verão, o calor, o trabalho, etc. Mas Reymont faz render a narrativa, mesmo, é com a encenação dos acontecimentos sociais da aldeia.

No primeiro livro, “Outono”, insere o casamento de Boryna e Jagna, mostrando a boda com o colorido das tradições e seus excessos. Em paralelo, mostra o romance clandestino dela com Antek, a expulsão deste da casa paterna, indo experienciar as agruras de um aldeão despossuído. Há ainda a feira anual de Tymow, com a compra e venda de animais, tecidos e mantimentos, oportunidade para a interação entre gentes de povoados vizinhos. Há uma sessão de tribunal, em que se sucedem postulações sérias, como uma ação de reconhecimento de paternidade, com pleitos hilários, como uma queixa pelo furto de um porco, destacando o gosto popular por querelas.

No livro 2, “Inverno”, são mostrados o Natal e a importância da religião para os aldeães. A descrição reiterada do frio e do ambiente fechado das habitações transmite uma sensação de claustrofobia, sendo a deterioração do relacionamento do casal Boryna e Jagna uma consequência pertinente, contribuindo para isso o romance paralelo dela com Antek, culminando com a tentativa do velho de matá-los, ateando fogo no monte de feno em que o casal se entretinha. O autor mostra a folia do urso, uma comemoração carnavalesca com fantasias, bebidas, danças e ingênuas transgressões, como levantar o vestido das donzelas. São descritos eventos na taberna de Jankiel, danças, bebedeiras e conchavos para decidir a reação à derrubada da floresta pelo castelão. O livro termina com uma batalha campal, em que os camponeses, com foices, forcados, gadanhas e porretes enfrentam a guarda castelã, e ocorre a contusão mortal de Boryna e a vindita de Antek, que num momento espreitava para atirar contra o pai, mas, ao vê-lo ferido, persegue e mata o guarda-florestal que o atingiu, o que lhe rende a prisão.

No livro 3, a “Primavera” é o foco. Além de mostrar a melhora do tempo, do plantio da batata, da ervilha, do linho, do repolho, o autor narra a Páscoa, seus costumes e práticas religiosas, em meio a intrigas dos familiares de Boryna: ele jaz inerte numa cama e Hanka, a esposa de Antek, reassume o controle da casa, ensejando conflitos com Jagna. Há uma disputa tragicômica entre elas mais o genro ferreiro por causa de um porco carneado para as festas. Os homens que participaram da retomada do bosque estão presos na cidade e recebem a visita das esposas; Antek se mostra irascível com Hanka. O castelo de Podlesie sofre um incêndio e os aldeães se negam a auxiliar na luta contra as chamas. Os homens retornam da prisão, menos Antek. Enquanto isso, Jagna se relaciona com o alcaide, sendo flagrados dormindo no bosque. Premido por dívidas, o castelão vende parte da fazenda para colonos alemães, contra quem se voltam os lipcenses. Também brigam na casa de Dominikowa, a mãe de Jagna, porque ela não concorda com o casamento do filho Szymek com Natka, negando-se a partilhar a herança do seu marido. Após três meses em coma, certa madrugada Boryna levanta, sai caminhando pela granja, gesticulando como se estivesse semeando, cai de bruços e morre, a significar o seu amor à terra.

“Verão” é o tema do último livro, que começa com o funeral de Boryna, seus ritos e costumes. Época de seca, com ocasionais tempestades. A venda de terras para os alemães se frustra e o castelão propõe conciliação: por cada morga de floresta derrubada, doará quatro de áreas agricultáveis, a serem repartidas entre os proprietários; os arrendatários e diaristas ficam de fora. Após o pagamento de fiança, Antek retorna para casa, amoroso. Rumando para o desfecho, o autor introduz uma nova paixão de Jagna, desta feita pelo jovem Jasio, igualmente interditada, já que ele é seminarista. Os bens de Boryna não são partilhados, a viúva Jagna é alijada e Antek se assenhora da totalidade, tornando-se o novo patriarca familiar, em nada diferente de seu falecido pai. Ele tenta reatar o relacionamento com Jagna, sem sucesso e, na sequência, a renega e ela é condenada pela comunidade à expulsão da aldeia, numa cena semelhante ao linchamento de bruxas na Idade Média. À acusação de tentar se relacionar com Jasio, a mãe do rapaz agrega outras faltas reais ou imaginadas, como ter contribuído para o desfalque cometido pelo alcaide – o único personagem punido pelas autoridades. Somente Mateusz a defende. Ela é amarrada numa carroça de esterco e transportada, ferida e seminua, até o limite da aldeia, onde é despejada, meio inconsciente.

Em síntese, se há uma estória individual que se sobressai na trama é a de Jagna, uma mulher ingênua que se permitiu saciar o seu desejo, postura tida como negativa pelo código de honra da comunidade, e foi castigada por isso. Reymont fez de Jagna a musa trágica de sua obra. Entrementes, há dois personagens redimidos: Szymek, o filho da Dominikowa, compra terras do castelão, constrói uma cabana e, mesmo com a oposição da mãe, se casa com Nastka, recebendo a ajuda dos vizinhos na forma de presentes como ovos, gansos e até uma vaca. O outro é Terezka, que, na ausência do marido, Jasiek, que fora prestar serviço militar, se relaciona com Mateusz; quando ele retorna e descobre a traição, num primeiro momento a ameaça de morte, mas termina por perdoá-la. Reymont também insere situações políticas no romance: a dominação russa é opressiva, materializando-se com achaques de funcionários corruptos, impostos abusivos e a criação de uma escola, que, todavia, não ensinará no idioma polonês, como queriam os aldeães. Roch, o beato, esclarecido líder da resistência, é procurado pela polícia e tem que fugir. Também há um diálogo de Antek com o castelão, em que ele diz que foram os nobres que levaram a nação à ruína, enfurecendo o potentado. É uma narrativa linear, mas o perfil psicológico dos personagens aparece nítido, e neles se nota um certo nervosismo e aspereza, que se manifesta em expressões de cólera, rispidez e atos violentos, entremeadas de machismo e antissemitismo. O texto não dá conta do destino de Antek: teria ele sido condenado à Sibéria? Considerando que nada é supérfluo numa narrativa literária, levando em conta o perfil do autor, que prima por não julgar, conclui-se que ele optou por deixar ao leitor a tarefa de avaliar esse problema. O ciclo das tragédias individuais termina com a morte da velha Ágata, a mesma que aparece mendigando na cena inicial do primeiro livro. O epílogo, na adaptação para a TVP de 1972, dirigida por Jan Rybowski, fiel ao livro, é uma cena bíblica: os aldeães, incluindo Hanka e Jasio, saem em peregrinação a Częstochowa.

Tão vividamente construído, esse fictício vilarejo é o espelho de uma comunidade rural polonesa da virada do século 19, muitas vezes transplantada para o Brasil pelos emigrantes que aqui reproduziram-na integralmente, com seus vícios e virtudes; embora singular, Lipce é uma comunidade representativa de qualquer outra em qualquer parte do planeta naquela época e naquelas circunstâncias, conformando-se, assim, à famosa assertiva de Tolstoi, de que somos universais quando cantamos a nossa aldeia. Tudo isso explica o sucesso e o reconhecimento alcançados pela obra do imortal literato polonês.


¹Obs: a expressão “povo que se afana” é utilizada no mesmo sentido que o tradutor da obra, que, na apresentação do livro, transcreveu a palavra constante do Diploma de concessão do Prêmio Nobel, no sentido de "trabalhar ativamente, com afã; azafamar(-se), afainar(-se); cansar-se demais com o trabalho; afadigar-se. Sentidos contemplados por Houaiss no Dicionário da Língua Portuguesa.


Referências

REYMONT, Wladislaw. Los Campesinos. Tradução do idioma polonês para o espanhol: R. J. Slaby e Fernando Girbal. Prólogo: Fernando GIRBAL. Madrid: Editora Aguilar, 1960, 1294 p.

A Lei do Cnute e Contos. [Z Ziemy Chelmskiej (Reportagem sobre a Região de Chelm), 1910]. Tradução: Valdemar Cavalcanti. Coleção dos Prêmios Nobel de Literatura, Prêmio de 1924 Wladislaw Stanislaw Reymont.

Discurso de recepção: Per HALLSTRÖM. Vida e Obra de Wladislaw Stanislaw Reymont: Josef TRYPUCKO. RJ: Editora Delta, 1963, 196 p. SIEWIERSKI, Henryk. História da Literatura Polonesa. Brasília: Editora UnB, 2000, 243 p.



Wilson RODYCZ

Desembargador aposentado do TJRS; entre 2013 e 2018 foi Cônsul Honorário da República da Polônia em Porto Alegre-RS; é autor do livro “Os imigrantes poloneses da Colônia Lucena/Itaiópolis – se um marreco pisar no gelo ele quebra” (R&O Editores, P. Alegre: 2011, 222 páginas)


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